Tradução

terça-feira, 27 de março de 2007

John Bunyan


John Bunyan
O Sonhador Imortal
(1628 -1688)



“Caminhando pelo deserto deste mundo, parei num sítio onde havia uma caverna (a prisão de Bedford): ali deitei-me para descansar. Em breve adormeci e tive um sonho. Vi um homem coberto de andrajos, de pé, e com as costas voltadas para a sua habitação, tendo sobre os ombros uma pesada carga e nas mãos um livro”.

Faz três séculos que John Bunyan assim iniciou o seu livro O Peregrino. Os que conhecem suas obras literárias podem testificar de que ele é, de fato, “o sonhador imortal” – estando ele morto ainda fala. Contudo, enquanto miríades de crentes conhecem O peregrino, poucos conhecem da historia da vida de oração desse valente pregador.

Bunyan, na sua obra Graça Abundante ao Principal dos Pecadores, nos informa que seus pais, apesar de viverem em extrema pobreza, conseguiram ensiná-lo a ler e escrever. Ele mesmo intitulou-se o “principal dos pecadores”; outros atestam que mesmo em sua impiedade jamais foi beberrão ou imoral. Contudo, casou-se com uma moça de família cujos membros eram crentes fervorosos. Bunyan ara funileiro e, como acontecia com todos os funileiros, era paupérrimo. Ele não possuía nem um prato nem uma colher, apenas dois livros: O Caminho do Homem Simples para os Céus e A Prática da Piedade, obras que seu pai, ao falecer, lhe deixara. Apesar de Bunyan achar algumas coisas que lhe interresava nesses dois livros. Somente nos cultos é que se sentiu convicto de estar no caminho para o inferno.

Descobre-se nos seguintes trechos, transcritos de Graça Abundante ao Principal dos Pecadores, como ele lutava em oração no tempo da sua conversão:

Veio-me as mãos uma obra do Ranters, livro estimado por alguns doutores. Não sabendo julgar os méritos dessas doutrinas, dediquei-me a orar desta maneira: “Ó Senhor, não sei julgar entre o erro e a verdade. Senhor, não me abandones por aceitar ou rejeitar essa doutrina cegamente; se ala for de ti, não me deixes desprezá-la; se for do diabo, não me deixes abraçá-la!” Louvado seja Deus – Ele que me dirigiu a clamar, desconfiado da minha própria sabedoria -, Ele mesmo me guarda do erro dos Ranters. A Bíblia para mim já era muito preciosa nesse tempo.
Enquanto me sentia condenado às penas eternas, admirei-me de como o próximo se esforçava para ganhar bens terrestres, como se esperasse viver aqui eternamente... Se eu pudesse ter a certeza da salvação da minha alma, como me sentiria rico, mesmo que não tivesse mais para comer a não ser feijão.

Busquei ao Senhor, orando e chorando, e do fundo da alma clamei: “Ó Senhor, mostra-me, eu te rogo, que me amas com amor eterno!” Logo que clamei, voltaram para mim as palavras, como um eco: “Eu te amo com amor eterno!” Deitei-me para dormir em paz e, ao acordar, no dia seguinte, a mesma paz permanecia na minha alma. O Senhor me assegurou: “Amei-te enquanto vivias no pecado, amei-te antes, amo-te depois e amar-te-ei por todo o sempre”.
Certa manhã, enquanto tremia na oração, porque pensava que não houvesse palavra de Deus para me sossegar, Ele me deu esta frase: “A minha graça te basta”.
O meu entendimento foi tão iluminado como se o Senhor Jesus olhasse dos céus para mim, pelo telhado da casa, e me dirigisse essas palavras. Voltei para casa chorando, transbordando de gozo e humilhado até o pó. Contudo, certo dia, enquanto andava no campo, a consciência inquieta, de repente estas palavras entraram da minha alma: “Tua justiça está nos céus”. E parecia que, com os olhos da alma, via Jesus Cristo à destra de Deus, permanecendo ali como minha justiça... Vi, além disso, que não é o meu bom coração que torna a minha justiça melhor, nem que a prejudica; porque a minha justiça é o próprio Cristo, o mesmo ontem, hoje e para sempre. As cadeias então caíram-me das pernas; fiquei livre das angústias; as tentações perderam a força; o horror da severidade de Deus não mais me perturbava, e voltei para casa regozijando-me na graça e no amor de Deus. Não achei na bíblia a frase “Tua justiça está nos céus”, mas achei “o qual para nós foi feito por Deus sabedoria e justiça, e santificação, e redenção” (1Co 1:30), e vi que a outra frase era verdade.

Enquanto eu assim meditava, o seguinte trecho da Escrituras penetrou no meu espírito com poder: “não pelas obras de justiça que houvéssemos feito, mas segundo a sua misericórdia, nos salvou”. Assim fui levado para as alturas e me achei nos braços da graça e da misericórdia. Antes temia a morte, mas depois clamei: “Quero morrer”. A morte tornou-se para mim uma coisa desejável. Não se vive verdadeiramente antes de passar para a outra vida. “Oh!”, pensava eu, “esta vida é apenas um sonho em comparação à outra!” Foi nessa ocasião que as palavras “herdeiros de Deus” se tornaram tão cheias de sentido, que eu não tenho como explicá-las aqui neste mundo. “Herdeiros de Deus!” O próprio Deus é a porção dos santos. Isso vi e disso me admirei, contudo, não posso contar o que vi... Cristo era um Cristo precioso na minha alma, era o meu gozo; a paz e o triunfo por Cristo eram tão grandes que tive dificuldade em conter-me e ficar deitado.


Bunyan, ainda que lutando para sair da escravidão do vício do pecado, não fechava a alma aos perdidos que ignoravam os horrores do inferno. Acerca disto ele escreveu:

Percebi pelas Escrituras que o Espírito Santo não quer que os homens enterrem seus talentos e dons, mas antes que despertem esses dons... Dou graças a Deus por me haver concedido uma medida de entranhas e compaixão pela alma do próximo, e me enviou a esforçar-me grandemente para falar uma palavra que Deus pudesse usar para apoderar-se da consciência e despertá-la. Nisso o bom Senhor respondeu ao apelo de seu servo, e o povo começou a mostrar-se comovido e angustiado de espírito ao perceber o horror do seu pecado e a necessidade de aceitar a Jesus Cristo.
De coração, clamei a Deus com grande insistência que Ele tornasse a Palavra eficaz para a salvação da alma... De fato, disse repetidamente ao Senhor que, se o meu enforcamento perante os olhos dos ouvintes servisse para despertá-los e confirmá-los na verdade, eu o aceitaria alegremente. O maior anelo em cumprir meu ministério era o de entrar nos lugares mais escuros do país... Na pregação, realmente sentia dores de parto para que nascessem filhos para Deus. Sem fruto, não ligava importância a qualquer louvor aos meus esforços; com fruto, não me importava com qualquer oposição.


Os obstáculos que Bunyan tinha que encarar eram muitos e variados. Satanás, vendo-se grandemente prejudicado pela obra desse servo de Deus, começou a levantar barreiras de todas as formas. Bunyan resistia fielmente a todas as tentações de vangloriar-se sobre o fruto de seu ministério e cair na condenação do diabo. Quando, certa vez, um dos ouvintes lhe disse que pregara um bom sermão, ele respondeu: “Não precisa dizer-me isso, o diabo já cochichou a mesma coisa no meu ouvido antes de sair da tribuna”.
Então o inimigo das almas suscitou calúnias e boatos em todo o país, a fim de induzi-lo a abandonar o ministério. Chamavam-no de feiticeiro, jesuíta, cangaceiro, e afirmavam que vivia amancebado, que tinha duas esposas e que os seus filhos eram ilegítimos.

Quanto o maligno falhou em todos esses planos de desviar Bunyan do seu ministério glorioso, seus opositores denunciaram-no por não observar os regulamentos dos cultos da igreja oficial. As autoridades civis o sentenciaram à prisão perpétua, recusando terminantemente a revogação da sentença, apesar de todos os esforços de seus amigos e dos rogos da sua esposa – tinha de ficar preso até se comprometer a não mais pregar.

Acerca de sua prisão, ele diz:

Nunca tinha sentido a presença de Deus ao meu lado em todas as ocasiões como depois de ser encerrado... fortalecendo-me tão ternamente com esta ou aquela Escritura até me fazer desejar, se fosse lícito, maiores provações para receber maiores consolações.
Antes de ser preço, eu previ o que aconteceria, e duas coisas ardiam no coração acerca de como poderia encarar a morte, se chegasse a tal ponto. Fui dirigido a orar pedindo a Deus que me fortalecesse com toda a força, segundo o poder de sua Glória, em toda a fortaleza e longanimidade, dando com alegria graças ao Pai. Quase nunca orei, durante o ano que precedeu minha prisão, sem que essa Escritura me entrasse na mente e eu compreendesse que para sofrer com toda a paciência devia ter toda a fortaleza, especialmente para sofrer com alegria.

A segunda consideração foi na passagem que diz: “Mas nós temos tido dentro de nós mesmos a sentença de morte para que não confiássemos em nós mesmos, porém em Deus que ressuscita os mortos”. Cheguei a ver, por essa Escritura, que se eu chegasse ao ponto de sofrer como devia, primeiramente tinha que sentenciar a morte todas as coisas que pertencem à nossa vida, considerando-me a mim mesmo, minha esposa, meus filhos, a saúde, os prazeres, tudo, enfim, como mortos para comigo e eu morto pra com eles.
Resolvi, como Paulo disse, não olhar para as coisas que se vêem, mas sim para as que se não vêem, porque as coisas que se vêem são temporais, mas as que se não vêem são eternas. E compreendi que se eu fosse prevenido apenas de ser preso, poderia, de improviso, ser chamado, também, para ser açoitado, ou amarrado ao pelourinho.

Ainda que esperasse apenas esses castigos, não suportaria o castigo de desterro. Mas a melhor maneira de suportar os sofrimentos seria confiar em Deus, quanto ao mundo vindouro; quanto a este mundo, devia considerar o sepulcro como a minha morada, estender o meu leito nas travas e dizer à corrupção: “Tu és meu pai!”, e aos vermes: “Vós sois minha mãe e minha irmão” (Jó 17:13,14). Contudo, apesar desse auxílio, senti-me um homem cercado de fraquezas. A separação da minha esposa e de nossos filhos, aqui na prisão, torna-se, às vezes, como se fosse a separação da carne dos ossos. E isto não somente porque me lembro das tribulações e misérias que meus queridos têm de sofrer; especialmente a filhinha cega. Minha pobre filha, quão triste é a tua porção neste mundo! Serás maltratada, pedirás esmolas; passará fome, frio, nudez e outras calamidades! Oh! Os sofrimentos da minha ceguinha quebrar-me-iam o coração aos pedaços!

Eu meditava muito, também, sobre o horror do inferno dos que temiam a cruz a ponto de se recusarem a glorificar a Cristo, suas palavras e leis perante os filhos dos homens. Além do mais, pensava sobre a glória que Ele preparara para os que, em amor, fé e paciência, testificavam dEle. A lembrança destas coisas servia para diminuir a mágoa que sentia ao lembrar-se de que eu e meus queridos sofríamos pelo testemunho de Cristo.

Nem todos os horrores da prisão abalaram o espírito de John Bunyan. Quando lhes oferecia a sua liberdade sob a condição de ele não pregar mais, respondia: “Se eu sair hoje da prisão, pregarei amanhã, com o auxílio de Deus”.
Mas se alguém pensar que, afinal de contas, John Bunyan era apenas um fanático, deve ler e meditar sobre as obras que nos deixou: Graça Abundante ao Principal dos Pecadores; Chamado ao Ministério; O Peregrino; A Peregrina; A Conduta do Crente; A Gloria do Templo; O Pecador de Jerusalém É Salvo; As Guerras da Famosa Cidade de Alma-humana; A Vida e a Morte de Homem Mau; O Sermão do Monte: A Figueira Infrutífera; Discursos sobre Oração; O Viajante Celestial; Gemidos de uma Alma no inferno; A justificação É Imputada, entre outros.

Passou mais de doze anos encarcerado. É fácil dizer que foram doze anos, mas é difícil conceber o que isso significa – passou mais da quinta parte da sua vida na prisão, na idade de maior energia. Foi um Quacre chamado Whitehead que conseguiu a sua libertação. Depois de liberto, pregou em Bedford, Londres, e muitas outras cidades. Era tão popular que foi alcunhado de “Bispo Bunyan”. Continuou o seu ministério fielmente até a idade de 60 anos, quando foi atacado de febre e faleceu. O seu túmulo é visitado por dezenas de milhares de pessoas.

O orador, o escritor, o pregador, o professor da Escola Dominical e o pai de família, cada um conforme o seu ofício, podem lucrar grandemente com um estudo do estilo e méritos se seus escritos, apesar de ter sido apenas um humilde funileiro sem instrução. Mas como se pode explicar o maravilhoso sucesso de Bunyan? Como pode um iletrado pregar como ele pregava e escrever num estilo capaz de interresar a criança e o adulto; ao pobre e ao rico; ao douto e ao indouto? A única explicação do seu êxito é que ele era um homem em constante comunhão com Deus. Apesar de seu corpo estar preso no cárcere, a sua alma estava liberta. Porque foi ali, numa cela, que John Bunyan teve as visões descritas nos seus livros – visões muito mais reais do que os seus perseguidores e as paredes que o cercavam. Depois de desaparecerem os perseguidores da terra e as paredes virarem pó, o que Bunyan escreveu continua a iluminar e alegrar todas as terras e gerações.

O que vamos citar mostra como Bunyan lutava com Deus em oração: “Há, na oração, o ato de desvelar a própria pessoa, de abrir o coração perante Deus, de derramar afetuosamente a alma em pedidos, suspiros e gemidos. ‘Senhor’, disse Davi, ‘diante de ti está todo o meu desejo e o meu gemido não te é oculto’ (Sl 38:9). E outra vez: ‘A minha alma tem sede de Deus, do Deus vivo; quando entrarei e me apresentarei ante a face de Deus? Quando me lembro disto, dentro de mim derramo a minha alma!’ (Sl 42:2-4). Note: ‘Derramo a minha alma!’ é um termo demonstrativo de que em oração sai a própria vida e toda a força para Deus”.
Em outra ocasião escreveu: “As melhores orações consistem, às vezes. Mais em gemidos do que em palavras, e estas palavras não são mais que a mera representação do coração, vida e espírito de tais orações”.
Como ele “insistia e importunava” em oração a Deus fica claro no trecho seguinte: “Eu te digo: Continua a bater, chorar, gemer e prantear; se Ele se não levantar para te dar porque és teu amigo, ao menos por causa da tua importunação levantar-se-á para dar-te tudo o que precisares”.

Sem contestação, o grande fenômeno da vida de John Bunyan consistia no seu conhecimento íntimo das Escrituras, as quais amava; e na perseverança em oração ao Deus que adorava. Se alguém duvidar de que Bunyan seguia a vontade de Deus nos doze longos anos que passou na prisão de Bedford, deve lembrar-se de que esse servo de Cristo, ao escrever O Peregrino atrás das grades, pregou um sermão que já dura quase três séculos e que hoje é lido em cento e quarenta línguas. É o livro de maior circulação depois da Bíblia. Sem tal dedicação, não seria possível conseguir o incalculável fruto eterno desse sermão pregado por um funileiro cheio da graça de Deus!

Fonte: Livro Heróis da Fé / p. 31-38
Autor: Orlando Boyer Editora: CPAD