João Calvino
Aqui se revolve o principal gonzo da fé, a saber, que não julgamos que as promessas de misericórdia que o Senhor nos oferece são verdadeiras fora de nós; ao contrario, que antes as façamos nossas, abraçando-as interiormente. Desta admissão, afinal, nasce aquela confiança que, em outro lugar [Rm 5.1], o mesmo Paulo chama paz, salvo se alguém preferir deduzir a paz da mesma confiança. Ora esta paz consiste numa segurança que acalma e tranqüiliza a consciência diante do tribunal de Deus, segurança sem a qual, necessariamente, se sentiria sacudida e quase dilacerada por tumultuada perturbação. Caso permita esquecer-se de Deus e de si mesma, adormecendo por um momento. E, de fato, apenas por um momento, porque não desfruta por longo tempo desse mísero esquecimento, sem que seja espetada pela lembrança do juízo divino que a cada passo se apresenta aos olhos da alma.
Em suma, não há nenhum outro verdadeiramente fiel senão aquele que, persuadido por solida convicção de que Deus é seu Pai propicio e benévolo, por sua benignidade lhe promete todas as coisas; e aquele que, confiando nas promessas da divina benevolência para consigo, antecipa infalível expectativa de salvação. Como o Apostolo assinala nestas palavras: “Se tão-somente conservarmos confiança até o fim, e a glória da esperança” [Hb 3.6]. Porque ao expressar assim, declara que ninguém espera no Senhor como deve senão aquele que se gloria confiantemente de que é herdeiro do reino celeste.
Afirmo que ninguém é fiel senão aquele que, arrimado na certeza de sua salvação, zomba confiadamente do Diabo e da morte, como somos ensinados dessa magnífica exclamação sentenciosa de Paulo: “Estou persuadido de que nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as potestades, nem as coisas presentes, nem as futuras nos poderão separar do amor de Deus, com que nos abraça em Cristo Jesus” [Rm 8.38, 39]. Assim, o mesmo Apóstolo não julga que os olhos de nossa mente possam ser bem iluminados de outro modo, a não ser que divisemos claramente qual seja a esperança da herança eterna para a qual fomos chamados [Ef 1.18]. E esta é a doutrina que ensina a cada passo: que somente compreendemos realmente a bondade de Deus quando estamos plenamente seguros dela.
Postado por Flávio Teodoro
(João Calvino / As Institutas - Edição Clássica – v.3 p. 40-41)
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