Tradução

sábado, 17 de novembro de 2007

A fé é conhecimento certo e seguro, como se acha fundamentado em Deus e em sua Palavra


João Calvino


Acrescentamos que a fé é um conhecimento certo e seguro, cuja qualificação expressa a mais firme constância de sua persuasão. Pois, como a fé não se contenta com opinião dúbia e mutável, assim tampouco com uma noção obscura e confusa; pelo contrario, requer certeza plena e fixa, como costuma ser em se tratando de coisas experimentadas e comprovadas. Ora, a incredulidade tão profunda e arraigadamente se nos apega ao coração e a tal ponto lhe somos propensos, que sem árduo embate cada um não se persuade daquilo que todos confessam com a boca: que Deus é fiel. Especialmente quando se confronta com uma situação real, a insegurança de todos põe a descoberto a falha que jazia oculta.

Por isso, não sem motivo o Espírito Santo enaltece com tão nobres títulos a autoridade da Palavra de Deus, a fim de fornecer remédio a esta enfermidade e para que demos total crédito a Deus em suas promessas. “As palavras do Senhor são palavras puras”, diz Davi, “prata refinada em fornalha de barro, purificada sete vezes" [Sl 12.6]. De igual modo: “A palavra do Senhor é provada; é um escudo para todos os que nele confiam” [Sl 18.30]. Salomão, porém, confirma o mesmo com quase os mesmos termos: “Toda palavra de Deus é pura” [PV 30.5]. Mas, visto que nesta demonstração se consome o Salmo 119, seria supérfluo nesta matéria recitar mais textos da Escritura. Sem duvida, sempre que Deus, em tais termos, nos recomenda sua Palavra, indiretamente está a censurar-nos a incredulidade, porquanto ele não visa a outro propósito, senão que nos erradique do coração duvidas tão confusas.

Muitíssimos há também que de tal modo concebem a misericórdia de Deus, que daí recebem um mínimo de consolação, pois são, ao mesmo tempo, constringidos por misera ansiedade, enquanto duvidam que ele lhes será misericordioso, porque encerram dentro de limites demasiadamente estreitos aquela própria clemência que parecem estar mui persuadidos. Com efeito, assim ponderam consigo que certamente ela é grande e copiosa, derramada sobre muitos, a todos acessível e preparada; contudo, que é incerto se porventura também a si ela haja de chegar, ou antes, se porventura eles haverão de chegar a ela. Com este pensamento, é como se parasse em meio do caminho, apenas pela metade. Conseqüentemente, longe de levar tranqüilidade e segurança ao espírito, o perturba ainda mais com duvidas e incerteza.

Bem outro é o sentimento de [plena certeza] que nas Escrituras sempre se atribui à fé; isto é, que elimina a dúvida acerca da bondade de Deus a nós claramente manifesta. Mas, isto não pode acontecer sem que sintamos verdadeiramente seu dulçor e o experimentemos em nós mesmos. Por isso é que o Apóstolo deriva da fé a confiança, e desta, por outro lado, a ousadia. Pois assim fala ele: “No qual [Cristo] temos ousadia e acesso com confiança, pela nossa fé nele” [Ef 3.12]; palavras com as quais mostra absolutamente que não há fé correta a não ser quando ousamos apresentar-nos perante Deus com ânimo sereno. Esta ousadia não nasce senão da sólida confiança na benevolência e salvação divinas. Tão verdadeiro é isso que, com bastante freqüência, se usa o termo fé em lugar de confiança.

Postado por Flávio Teodoro

(João Calvino / As Institutas - Edição Clássica – v.3 p. 39-40)

A fé é sólida confiança nas promessas divinas e firme apropriação da salvação que Deus nos propicia

João Calvino


Aqui se revolve o principal gonzo da fé, a saber, que não julgamos que as promessas de misericórdia que o Senhor nos oferece são verdadeiras fora de nós; ao contrario, que antes as façamos nossas, abraçando-as interiormente. Desta admissão, afinal, nasce aquela confiança que, em outro lugar [Rm 5.1], o mesmo Paulo chama paz, salvo se alguém preferir deduzir a paz da mesma confiança. Ora esta paz consiste numa segurança que acalma e tranqüiliza a consciência diante do tribunal de Deus, segurança sem a qual, necessariamente, se sentiria sacudida e quase dilacerada por tumultuada perturbação. Caso permita esquecer-se de Deus e de si mesma, adormecendo por um momento. E, de fato, apenas por um momento, porque não desfruta por longo tempo desse mísero esquecimento, sem que seja espetada pela lembrança do juízo divino que a cada passo se apresenta aos olhos da alma.

Em suma, não há nenhum outro verdadeiramente fiel senão aquele que, persuadido por solida convicção de que Deus é seu Pai propicio e benévolo, por sua benignidade lhe promete todas as coisas; e aquele que, confiando nas promessas da divina benevolência para consigo, antecipa infalível expectativa de salvação. Como o Apostolo assinala nestas palavras: “Se tão-somente conservarmos confiança até o fim, e a glória da esperança” [Hb 3.6]. Porque ao expressar assim, declara que ninguém espera no Senhor como deve senão aquele que se gloria confiantemente de que é herdeiro do reino celeste.

Afirmo que ninguém é fiel senão aquele que, arrimado na certeza de sua salvação, zomba confiadamente do Diabo e da morte, como somos ensinados dessa magnífica exclamação sentenciosa de Paulo: “Estou persuadido de que nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as potestades, nem as coisas presentes, nem as futuras nos poderão separar do amor de Deus, com que nos abraça em Cristo Jesus” [Rm 8.38, 39]. Assim, o mesmo Apóstolo não julga que os olhos de nossa mente possam ser bem iluminados de outro modo, a não ser que divisemos claramente qual seja a esperança da herança eterna para a qual fomos chamados [Ef 1.18]. E esta é a doutrina que ensina a cada passo: que somente compreendemos realmente a bondade de Deus quando estamos plenamente seguros dela.

Postado por Flávio Teodoro
(João Calvino / As Institutas - Edição Clássica – v.3 p. 40-41)

A certeza da que a fé nos confere de forma alguma exclui a tentação de dúvida e inquietude, ora mais, ora menos sentida

João Calvino

Com efeito, dirá alguém: enfaticamente outra é a experiência dos fiéis que, ao reconhecerem a graça de Deus para consigo, não só são tentados por inquietude, que freqüentemente os acossa, mas até, por vezes, tremem de gravíssimos temores, tão grande é a veemência das tentações desenfreadas para abalar-lhes a mente; o que não parece coadunar-se muito com essa certeza de fé! Conseqüentemente, impõe-se-nos resolver esta questão, se queremos que a doutrina supracitada se mantenha firme.


Nós de fato enquanto ensinamos que a fé deve ser certa e segura, não imaginamos alguma certeza que jamais possa ser tangida por alguma inquietude; senão que, antes, dizemos que os fiéis têm perpétuo conflito com sua própria desconfiança. Tão longe está de que coloquemos sua consciência em algum plácido repouso, o qual não seja absolutamente importunado por nenhuma perturbação! Todavia, por outro lado, de qualquer maneira que sejam afligidos, negamos que decaiam e se apartem daquela segura confiança que conceberam da misericórdia de Deus.


Nenhum exemplo de fé é mais insigne ou mais memorável do que aquele que a Escritura propõe em Davi, especialmente se visualizamos todo o curso de sua vida. Contudo, ele mesmo com freqüência se queixa de estar mui longe de desfrutar perenemente da paz de espírito. Bastará citar alguns de seus numerosos testemunhos. Enquanto censura os conturbados sentimentos de sua alma, que outra coisa censura senão sua própria incredulidade? "Por que te agitas", diz ele, "ó minha alma, e por que te perturbas dentro de mim? Espera em Deus" [Sl 42.5,11; 43.5]. Certamente que aquela consternação era evidente sinal de desconfiança, como se julgasse abandonado por Deus. Confissão ainda mais ampla se lê em outro lugar: "Eu disse em minha precipitação: lançado fui da vista de teus olhos" [Sl 31.22]. Em outro lugar também contende consigo em ansiosa e angustiada perplexidade; na verdade, formula uma indagação da própria natureza de Deus: "Porventura esqueceu-se Deus de ser misericordioso? Porventura rejeitará ele para sempre?" [Sl 77.7,9]. Mais duro é o que segue: "E eu disse: Isto constitui minha enfermidade; mas eu me lembrei dos anos da destra do Altíssimo" [Sl 77.10]. Ora, como que desesperado, a si mesmo se condena à morte; e não apenas se confessa sacudido de dúvida, mas, como se estivesse sucumbido no conflito, até mesmo imagina que nada mais lhe resta, porque pressupõe que Deus o havia abandonado, e lhe voltara a mão para destruí-lo, a qual outrora lhe era para auxílio. Por isso, não sem causa, ele exorta sua alma a que retorne a sua quietude [Sl 116.7], porque havia experimentado o que era ser arrojado por entre ondas turbulentas.


E no entanto, o que é admirável, por entre esses abalos a fé sustenta os corações dos piedosos; e na verdade alcança o viço da palmeira [Sl 92.12], de sorte a enfrentar a todos e quaisquer incômodos e se eleva para o alto; assim como Davi, quando poderia parecer esmagado, ainda que incriminando a si mesmo, não desistiu de buscar a Deus. Aquele que, deveras, lutando com a fraqueza pessoal, em suas ansiedades insiste com a fé, em larga medida já é vencedor. O que é licito concluir desta citação e similares: "Espera no Senhor. Sê forte; ele te fortalecerá o coração. Espera no Senhor" [Sl 27.14]. Davia si mesmo se acusa de desânimo e, repetindo o mesmo duas vezes, se confessa seguidamente sujeito a muitos sobressaltos. Entrementes, não apenas se desagrada a si próprio nessa falhas, mas aspira e se esforça em corrigi-las.


Por exemplo, caso se compare com o rei Acaz, logo se verá perfeitamente a diferença entre ambos. Isaías é enviado a levar remédio à ansiedade do rei ímpio e hipócrita. Ele lhe fala com estas palavras: "Estejas em guarda e aquieta-te; não te atemorizes", etc. [Is 7.4]. Que faz ele ao ouvir isto? Como fora dito antes, que o coração lhe foi abalado como as árvores da floresta são sacudidas pelo vento [Is 7.2], embora ouvisse a promessa, não cessou de apavorar-se. Portanto, esta é a mercê e castigo próprios da infidelidade: estremecer de tal forma, que aquele que não abre para si a porta, pela fé, na tentação se afasta de Deus; em contraposição, porém, os fiéis, a quem vultoso volume de tentações encurva e quase esmaga, delas se alteiam constantemente, ainda que não sem embaraço e dificuldade. E já que são cônscios da própria fraqueza de espírito, oram com o Profeta: "Não retires totalmente de minha boca a palavra da verdade" [Sl 119.43]. Com essas palavras somos ensinados que eles, por vezes, emudecem, como se sua fé fosse prostrada, os quais, no entanto, não decaem nem viram as costas; ao contrário, prosseguem sua luta, e orando espetam sua letargia, para que, ao menos, por sua própria complacência não se entreguem à preguiça.

Postado por Flávio Teodoro
(João Calvino / As Institutas - Edição Clássica – v.3 p. 41-43)

terça-feira, 13 de novembro de 2007

´SE É MINISTÉRIO, SEJA EM MINISTRAR

"Se é ministério, seja em ministrar; se é ensinar, haja dedicação ao ensino" (Rm. 12:7)
Flávio Teodoro*

Que será que Paulo pretendia dizer com essas palavras? Pois bem, para respondermos a essa pergunta nos será necessário irmos à outra passagem onde Paulo diz a mesma coisa. Esse é um método eficiente na interpretação de textos bíblicos. Sempre quando nos depararmos com uma passagem difícil ou com algum texto em que ficamos na duvida quanto ao que ele esta dizendo será sábio seguir esse método. Procurar em outro lugar na mesma Escritura onde há a mesma declaração. Pois bem, usaremos como paralelo 1 Contintios 12:28 que diz: “E a uns pôs Deus na igreja, primeiramente apóstolos, em segundo lugar profetas, em terceiro doutores, depois milagres, depois dons de curar, socorros...”.

Paulo aqui esta se referindo aquele dom que habilita a pessoa ou as pessoas ajudarem ou num termo mais inclusivo para o nosso entendimento, o dom de auxiliar. Esta capacidade se mostra em muitas formas diferentes. Um exemplo típico desse dom o caso dos diáconos na vida da igreja. Eles são aqueles que auxiliam, ajudam, cooperam, administram os negócios da igreja. Necessariamente se um irmão não possui a capacidade de exercer essas funções ele não poderá servir como diácono. Porém não se limita aos diáconos a posse desse dom particular, citei-os como exemplo para nossa compreensão.

Vejamos no Novo Testamento um exemplo desse dom. Tomemos para nossa meditação o caso de Marcos, o sobrinho de Barnabé. Paulo escrevendo a sua segunda epistola a Timóteo diz: “Só Lucas está comigo. Toma Marcos, e traze-o contigo, porque me é muito útil para o ministério” (2 Timóteo 4:11). Havia utilidade em Marcos para determinados serviços de ajuda ao apostolo Paulo. Outro exemplo é o relato em Atos, sobre a questão das viúvas que estavam sendo desprezadas e a resposta dos apóstolos em solução daquele problema particular foi: “Escolhei, pois, irmãos, dentre vós, sete homens de boa reputação, cheios do Espírito Santo e de sabedoria, aos quais constituamos sobre este importante negócio”. (Atos 6:3) Era um dos varios problemas que presisam de pessoas capacitadas para resolvê-los; digo pessoa especificas para tal. Veja a resposta dos apostolos “Mas nós perseveraremos na oração e no ministério da palavra” (v.4) Os apóstolos não podiam negligenciar o ministério da palavra se ocupando em outras funções. Vejam que o Espírito Santo para que ninguém viesse a argumentar no sentido de querer desprezar essa função que (aparentemente) parece menor em valor do que a ministração da palavra, o apostolo diz: “este importante negócio” (v.3).

E aqui na lista de Romanos esse dom vêm logo em seguida ao dom de profecia, e isso porque é um dom muito importante. Um exemplo que podemos usar também quanto à utilidade desse dom se encontra naqueles que agem como recepcionistas na igreja, que introduzem os visitantes e membros na igreja. Não será bom deixar este tema sem uma palavra de admoestação. Não venhamos convir que qualquer pessoa servi para servir. Pois como se trata de um dom, somente aqueles que o tem é que servirão de bom grado nas suas respectivas funções. Um pessoa pode até desempenhar uma função de serviço na casa do Senhor, mas se ela não for por Deus convocada a isso, ela não servirá com prazer e alegria. Pois se trata de um dom; Deus habilita tais pessoas para servirem na igreja de maneira tal que elas não murmuram e nem acham pesado os serviços prestados por elas. Por exemplo: uma pessoa que é encarregada da limpeza da igreja e que por Deus foi designada a isso, a limpará (sabendo) que com isso está servindo primeiramente a Deus. E como cristã o fará com todo o prazer.

* Texto adaptado a partir dos comentários de D. M. Lloyd-Jones (Exposição de Romanos capítulo 12 - Editora PES)