"... exortar-vos a batalhar pela fé que uma vez foi dada aos santos" (Jd. 3)
Um rápido exame sobre a história eclesiástica revelará que ela não ocorreu passivamente, pelo contrário, sua história foi (e está sendo) construída através de grandes conflitos: "A história do cristianismo tem sido uma história de batalhas em prol da fé (1)" . Desde a sua origem até os nossos dias, a igreja tem enfrentado batalhas importantes para sustentar as doutrinas bíblicas ensinadas por Jesus Cristo e os apóstolos.
Os últimos dois séculos têm sido palcos da chamada Teologia Contemporânea, expressão e sistematização dos pensamentos teológicos desenvolvidos principalmente nos séculos XIX e XX. Esse período é nitidamente marcado pelo embate entre as teologias conservadora e liberal. As raízes do liberalismo teológico talvez possam ser encontradas no movimento deísta dos séculos XVII e XVIII. O Deísmo é a religião naturalista, ou seja, a religião da razão, que, de forma geral, sustentava os pensamentos da paternidade universal de Deus e de que a verdadeira religião (a natural) consiste na moralidade e na crença de um ser superior, que seja vagamente pessoal e transcendente. Não havia a necessidade de uma revelação especial, da graça ou de um Salvador. Thomas Jefferson, tão aclamado pelos estadunidenses, tendo sido presidente do país e autor da Declaração de Independência Americana, tinha feito sua própria bíblia, nela, todos os milagres e doutrinas do Novo Testamento que não fossem explicados pela razão foram omitidos (será que sobrou alguma coisa em sua bíblia?). Para sermos justos, é necessário dizer que a maior parte dos teólogos liberais da modernidade não é considerada deísta, entretanto, muito de seus ensinos têm suas origens fincadas nesse movimento (2).
A "alta crítica (3) " do liberalismo teológico é a expressão viva do pensamento modernista, caracterizada pelo ataque direto à concepção da inspiração das Escrituras e sua inerrância. Como resultado, doutrinas fundamentais como o ensino das duas naturezas de Cristo perdiam espaço dentro da cosmovisão moderna. O liberalismo teológico se tornou hoje em um movimento amplo de distintas concepções e perspectivas, caracterizado por uma grande diversidade de pensamentos, conflitantes ou não. Dentre elas, destacamos a teologia do processo, a teologia da libertação, o Evangelho Social, a teologia feminista e a teologia relacional ou teísmo aberto.
Em contraposição ao movimento modernista, houve uma reação dos teólogos e pastores comprometidos com a teologia ortodoxa protestante. Teólogos como Abraham Kuyper, Charles Hodge, Gresham Machen e Carl McIntire foram grandes nomes da teologia conservadora, que se juntaram a outros pensadores e líderes protestantes que viam a teologia liberal como uma séria ameaça ao cristianismo bíblico. Esse movimento reacionário ao modernismo foi cunhado de Fundamentalismo e não surgiu de uma movimentação ou reação à parte da igreja, e sim da própria igreja que reagiu aos movimentos dissidentes e externos, como bem afirmou um próprio teólogo liberal, Kirsopp Loke: " São erros, geralmente cometidos por pessoas educadas que têm pouco conhecimento de teologia histórica, supor que o Fundamentalismo é uma forma de pensar nova e estranha. Ele não é nada disto, ele é... sobrevivente de uma teologia que uma vez foi sustentada universalmente por todos os cristãos. O Fundamentalismo pode estar errado; eu penso que ele está. Mas somos nós que temos desviado da tradição, não eles, e eu sinto pelo fato que alguém argumente com os fundamentalistas na base da autoridade. A Bíblia e o corpus theologicun da Igreja estão do lado fundamentalista "(4).
Um dos marcos desse movimento foi a obra "THE FUNDAMENTALS", editado por R. A. Torrey (disponível em português no site http://www.chamada.com.br/livraria/detalhes/?cod=OF) como resposta conservadora à teologia liberal, trazendo em seu conteúdo as doutrinas essenciais da fé cristã. Vale a pena ressaltar aqui que nem todos os fundamentalistas bíblicos eram (e são) pré-milenistas, doutrina presente no livro, o que gerou uma certa polêmica com os amilenistas e pós-milenistas.
Nos primórdios do movimento, podemos considerar como fundamentalista qualquer cristão protestante conservador, contudo, a partir de 1940 a teologia ortodoxa se viu dividida por dois grupos: o fundamentalista propriamente dito e o neo-evangélico, representante da neo-ortodoxia (tinha como principais representantes o teólogo suíço Karl Barth e o americano Reinhold Niebuhr). A neo- ortodoxia era mais aberta ao diálogo e cooperação com outros cristãos não conservadores e mesmo com católicos. Seus principais expoentes foram Harold J. Ockenga e Billy Graham. A posição firme dos fundamentalistas quanto às doutrinas escatológicas (final dos tempos) e sua forte posição contrária ao evolucionismo tornaram-se os principais fatores para o afastamento dos "evangélicos" (termo preferido por estes para se diferenciarem dos fundamentalistas). Enquanto os "evangélicos" começaram a desenvolver com prostestantes liberais e católicos empreendimentos sociopolíticos e até mesmo evangelísticos, os fundamentalistas passaram a rejeitar qualquer tipo de associação com grupos que não compartilhavam de seu sistema de doutrinas bíblicas. Daí, uma das marcas distintivas do fundamentalismo é a doutrina bíblica da separação.
Embora os "evangélicos" reclamem para si uma teologia conservadora, sua aproximação com grupos liberais e católicos tem colocado em risco suas doutrinas principais. Esse "flerte" tem minado os princípios bíblicos de muitas igrejas, e por abrir mão de ministérios de exortação e defesa da fé, algumas delas, até mesmo pertencentes às denominações históricas estão sucumbindo diante da apostasia e do ecumenismo.
Iniciamos esse breve artigo com a citação de Judas, autor bíblico, que convoca a igreja a batalhar em favor da fé cristã (Judas 3), e agora encerramos, com uma citação do teólogo e escritor reformado, Dr. Martyn Lloyd-Jones, alertando sua congregação do perigo de abandonar a batalha pela fé: “A reprovação da polêmica na Igreja Cristã é uma questão muito grave. Todavia essa é a atitude da época em que vivemos. Hoje a idéia predominante em muitos círculos da Igreja é a de que não devemos importar-nos com essas coisas. Contanto que sejamos cristãos de algum modo, de qualquer modo, tudo estará bem. Não discutamos doutrina, sejamos cristãos unidos e falemos do amor de Deus. Nisso consiste realmente toda a base do ecumenismo. Desafortunadamente, essa mesma atitude está se insinuando também nos círculos evangélicos mais firmes... " (5).
Luciano Hérbet O. Lima
Editor da Revista Sã Doutrina
01. Notas:
1. Pastor Almir Marcolino Tavares, numa palestra sobre Teologia Contemporânea, ministrada na Igreja Batista Boa Vista durante a V Semana Teológica do STBT em Vitória da Conquista – Ba (22 a 26/10/2007). Fez um breve apanhado sobre os principais movimentos contrários à teologia ortodoxa que surgiram desde o início da igreja cristã até os dias atuais. O conferencista tem afirmado que os movimentos sectários e liberais da modernidade não são totalmente inéditos, pois descendem ou têm suas raízes fincadas nos grupos dissidentes da igreja dos primeiros séculos, como por exemplos: o arianismo, sabelianismo e pelagianismo.
2. Louis Berkhof afirma que o deísmo, religião que possui muitas variantes, mas que de forma geral, ensina que Deus deixou sua criação sob leis inalteráveis e que esta se move por si mesma, independente de todo suporte ou direção externa. Esse pensamento faz da criatura auto-sustentadora e mantém Deus fora de sua criação (Teologia Sistemática, pg. 40, 60 e 64)
3. A "alta crítica", termo cunhado pelo crítico liberal J. G. Eichhorn. É uma metodologia investigativa de cunho racionalista aplicada as Escrituras a partir de uma perspectiva anti-sobrenatural, e por isso tem negado a autenticidade de muitos textos bíblicos. Segundo Gleason Archer em sua Enciclopédia de Dificuldades Bíblicas (editora Vida) "o advento do racionalismo e do movimento deísta, no século XVIII, conduziu a uma modificação drástica da posição de inerrância atribuída à Bíblia. Logo se demarcaram as linhas de separação, com nitidez, entre os deístas e os defensores ortodoxos da fé cristã histórica. Uma crescente aversão ao sobrenatural dominou a liderança intelectual do mundo protestante durante o século XIX, e esse espírito cedeu lugar à "crítica histórica", tanto na Europa como nos Estados Unidos".
4. McLachlan, D. R. apud Tavares, A. M.(Apostila sobre Teologia Contemporânea).
5. Lloyd-Jones e a Defesa da Verdade - Exposição de Romanos v. 3 – Editora PES – Autor D. Martyn Lloyd-Jones – p. 140 -142. Disponível em http://astrosnomundo.blogspot.com/2007/12/lloyd-jones-e-defesa-da-verdade.html
02. Referências Bibliográficas:
01. BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. 5. Ed. Campinas: Luz para o Caminho, 1998. 791 p.
02. NICHOLS, Robert Hastings. História da Igreja Cristã. 6. Ed. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1985. 289 p.
03. OLSON, Roger. História da Teologia Cristã . 1. Ed. São Paulo: Vida, 2001. 668 p.
04. RAPHAEL, Danilo. A teologia liberal e suas implicações para a fé bíblica. Disponível em http://solascriptura-tt.org/SeparacaoEclesiastFundament/TeologiaLiberal-Liberalismo-DRaphael.htm Acesso em: 17/Janeiro/2008.
05. TAVARES, Almir Marcolino. Teologia Contemporânea. Apostila do Seminário Batista do Cariri-CE
quarta-feira, 9 de abril de 2008
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